CRITICA RETÓRICA (OU ANÁLISE RETÓRICA) NA EXEGESE BÍBLICA CONTEMPORÂNEA APLICADA EM MT 2.23
Apesar de não ser recente, a crítica retórica na exegese bíblica tem crescido muito nos últimos anos. A análise retórica parte da ideia que o texto, ou blocos textuais, tem a finalidade de convencer acerca de algo. No Novo testamento são bem óbvios os blocos textuais que procuram convencer o interlocutor acerca da ressurreição de Jesus, sobre uma vida de devoção e santidade, acerca da volta de Cristo etc. Assim o método de análise retórica é uma ferramenta contemporânea bastante útil para a exegese bíblica quando usada por um crente realmente devoto a Jesus.
EXEMPLO PRÁTICO.
Para exemplificar o uso da crítica retórica vamos tomar como um texto base Mateus 2.23:
E chegou, e habitou numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno.
Um texto muito polêmico, visto que não há referências dessa profecia no Antigo testamento. Nenhum profeta do AT profere tal profecia. Esse verso tem sido uma pedra no sapato dos que fazem uma exegese fundamentalista e um prato cheio para aqueles que descreem na autoridade da bíblia sagrada e produzem uma exegese Liberal. Assim vamos tentar interpretar esse texto do ponto de vista da Analise retórica.
Primeiro, esse versículo por natureza é retorico, visto que tem como função chave corroborar o discurso messiânico defendido pelo evangelho desde do primeiro verso. Assim a análise retórica é o melhor método para se entender esse versículo.
Segundo, há um discurso messiânico, um discurso ideológico superior, que condiciona a escrita do texto. Esse discurso messiânico é independente do autor individual, Mateus como é considerado tradicionalmente. Há um discurso que emana da comunidade, para qual o autor escreve, ou seja, forças ideológicas e discursivas que direcionam a escrita do texto, e que saem do interlocutor para o locutor. Numa ordem inversa ao convencionado na exegese tradicional. O texto tem por função corroborar e refletir o discurso comunitário. Perceba a reprodução desse discurso na construção da Genealogia que Mostra Jesus como filho de Davi e filho de Abraão, Mt 1.1. Perceba também a escalada das citações do AT em Mt 1.22,23 (Is 7.14), Mt 2.5,6 (Mq 5.2), Mt 2.15 (Os 11.1), Mt 2.17,18 (Jr 31.15) e por fim Mt 2.23 (sem referência no AT). Assim o verso está sobre pressão discursiva comunitária e tende a devolver a comunidade seu discurso. Assim o discurso comunitário acerca da pessoa de Jesus vai condicionar toda a retórica inicial do evangelho segundo Mateus. Também é Natural que existam crenças comunitárias e extra Antigo testamento acerca de Jesus. Muito provavelmente é do meio dessas crenças, valores, paráfrases e discursos comunitários, extra testamentário e que leem o Antigo testamento, que surge a figura do Jesus Nazareno, que tem cada detalhe de sua vida planejado pela providencia divina, desde o nascimento até a morte tudo direcionado por Deus (Mt 8.17; Mt 12.17; Mt 12.39; Mt 13.14; Mt 15.7; Mt 13.35; Mt 21.4; Mt 24.15; Mt 26.56; Mt 27.9; Mt 27.35;). Assim Por associação a muitas outras profecias, que realmente emanam do antigo testamento, acerca da figura do messias, a comunidade entende que o ser Nazareno é uma profecia do AT. Isso com certeza pode ter sido fortalecido pelas tradições Orais acerca das narrativas da vida de Jesus.
Terceiro, o Escritor do Evangelho, como parte dessa comunidade e compartilhando desse discurso o reproduz em seu texto. Dessa forma, o que aparentemente está errado é na verdade retórico, uma paráfrase comunitária que emana de um discurso superior, que em essência encontra maior parte das referências da messianidade de Jesus diretamente do AT. O verso Tem a função de convencer, pelo que já tinha sido convencionado pela comunidade (Se bem que “convencer” é equivalente a “reproduzir”), acerca do poder providencial de Deus em todo os aspectos da vida de Jesus. Esse discurso acerca da providência divina encontra seu clímax na morte de Jesus pela humanidade, arquitetada por Deus pai, no final do evangelhos de Mateus.
Assim Mt 2.23 é uma paráfrase comunitária (provavelmente de Mq 5.2 + Is 9.2, claramente citado em Mt 4.16) que tem sua leitura condicionada pelo discurso comunitário da messianidade e o discurso do controle providencial divino. Mateus retorna para sua comunidade essa paráfrase, que era propriedade da comunitária, outrora sob a forma oral, agora sob a forma textual, afim de fortalecer o sua obra escrita. Dessa maneira, através da análise retórica, podemos concluir que Mateus escreve para a comunidade a partir da própria comunidade. É nesse espírito que surge o “aparente erro”, que não é erro é uma paráfrase comunitária com fins retórico e que só tem valor retórico para a comunidade interlocutora, daí nós, que não somos essa comunidade interlocutora primária, não compreendermos o verso e acharmos um erro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário